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Por que o Brasil sofre uma das piores crises de sua história?

Veículo: Valor Economico 

Seção: Opinião 

A atual crise econômica é em grande parte agravada pela falha de diagnóstico compartilhada por grande parte dos economistas do país. Essa crise, entretanto, é diferente das anteriores e superá­la depende da correta avaliação das suas causas. A visão convencional aponta para os erros de condução de política econômica durante o governo Dilma, em particular a chamada Nova Matriz Econômica implementada em 2011. Esta ao implementar um corte de impostos e subsídios contribuiu para o crescimento do déficit público, a retomada da inflação, quebra de confiança e a queda do investimento empurrando a economia para a recessão atual. Logo, para recuperar o crescimento, sob esta visão, é fundamental o ajuste fiscal para restaurar a confiança na solvência do Estado e para a recuperação da confiança do empresariado. 

Há entretanto uma visão alternativa. Um estudo recente* mostra a crescente fragilidade financeira do setor privado da economia brasileira. Os dados do IBGE mostram que, desde 2007, ­ exceto por 2009 em função dos efeitos de uma política fiscal anticíclica ­ as empresas não financeiras obtiveram déficits crescentes em suas contas, isto é, os lucros retidos foram menores que os investimentos. Isto quer dizer que o setor privado doméstico brasileiro, em particular as empresas não­financeiras, adotou uma postura Ponzi desde 2007, agravada nos anos seguintes. Ou seja, a aquisição líquida de ativos financeiros foi inferior à aquisição líquida de passivos, reduzindo, assim, o patrimônio líquido. Como Hyman Minsky nos ensinou, a postura Ponzi é insustentável. A economia passou por um período de forte endividamento do setor privado, em particular para as empresas e famílias. Os dados do Banco Central (BC), mostram que o endividamento das empresas e famílias passou de 35% do PIB em dezembro de 2005 para 75% do PIB em junho de 2015. Com a obtenção do grau de investimento, o total da dívida em moeda estrangeira das empresas não financeiras saltou de US$ 58 bilhões em março de 2008 para US$ 118 bilhões em junho de 2015.

Durante o período pós crise global, já há sinais do esgotamento da estrutura Ponzi assumida por empresas. Por exemplo, em 2010, o saldo negativo das empresas não financeiras atingiu níveis recordes, cerca de 4% do PIB, e continuou a gerar déficits elevados nos anos seguintes. Ao assumir dívidas, espera­se que os investimentos ofereçam um retorno acima do custo de capital, incluindo os pagamentos necessários para validar tais obrigações. Mas, a partir de 2011 há uma forte queda da rentabilidade das empresas, principalmente da indústria, afetando a acumulação interna de lucros e o retorno esperado do investimento. Esta queda da rentabilidade foi causada, entre outras coisas, pela queda dos lucros agregados, elevação das despesas financeiras ­ em função do maior endividamento e elevação das taxas de juros no mercado doméstico ­ e pela forte desvalorização cambial, embora esta tenha recuperado a competitividade das empresas exportadoras. 

Nesse sentido, a queda da rentabilidade do capital afetou diretamente as decisões empresariais reduzindo a expectativa de ganhos futuros e a capacidade de financiamento de novos investimentos com base em lucros retidos provocando uma queda na taxa de crescimento dos investimentos. Como as empresas têm agora de pagar as dívidas e recompor seus balanços ­ num contexto em que o retorno sobre os seus ativos, assim como o lucro líquido, sofreram uma forte queda de mais de 50% entre 2010 e 2014, o investimento foi a grande variável de ajuste. Logo, não deveria causar surpresa a queda dos investimentos há dez trimestres consecutivos ­ a qual foi responsável, em grande medida, pela grave crise econômica iniciada em meados de 2014 e agravada pela falha no diagnóstico das causas da crise, que resultou em erros graves sobre os impactos da política fiscal e monetária em uma conjuntura de desalavancagem do setor privado. De um lado, o BC cometeu erros de avaliação em um contexto no qual é evidente a incapacidade da política monetária de combater uma inflação que não é de demanda. As elevadas taxas de juros praticadas pelo BC elevaram as despesas financeiras do setor privado, agravando a recessão e o potencial de uma crise dentro do sistema financeiro. 

Por outro lado, as irresponsáveis medidas do ajuste fiscal implementadas ao longo de 2015 ­ além de causar um choque nos custos das empresas por meio do aumento brutal dos preços administrados ­ interromperam a ação dos estabilizadores automáticos ­ isto é, as variações de gastos e recolhimentos de impostos e tributos devido ao desaquecimento da economia ­ ao cortar fortemente os gastos reais do governo, empurrando a economia para uma das piores crises da sua história. Apesar de sucessivos cortes de gastos introduzidos pelas empresas, elas estão com balanços deteriorados, dificuldades na geração de caixa e de manter seus compromissos financeiros. A queda dos lucros ou prejuízos das empresas resultaram na forte e sucessiva queda nos investimentos, produção e emprego e na elevação da inadimplência. Os pedidos de recuperação judicial cresceram brutalmente e bancos estão renegociando dívidas de empresas na tentativa de conter a deterioração dos ativos e evitar perdas ainda maiores com calotes. 

Nesse sentido, o país precisa adotar medidas para contribuir com a geração de fluxo de caixa dos agentes no curto prazo, como, por exemplo, a correção da tabela de imposto de renda, a diminuição dos impostos dos lucros retidos e dos impostos sobre a produção, e a substancial redução da taxa de juros praticada pelo BC. Além disso, há de se retomar o programa de investimentos públicos em infraestrutura e o programa Minha Casa Minha Vida, alcançando a meta de 6,7 milhões de moradias contratadas até o fim de 2018. Em suma, a crise brasileira é diferente das demais. É fundamental implementar políticas apropriadas para períodos de desalavancagem do setor privado. A causa da crise brasileira não é fiscal. Trata­se de uma crise minskyiana. Para consertá­la o ajuste fiscal não resolve. Minsky estava certo. 

*Rezende, F.C. 2016. "Financial Fragility, Instability and the Brazilian Crisis: a Keynes­ Minsky ­Godley Approach", Discussion paper, MINDS, Rio de Janeiro. 

Felipe Rezende é PhD e professor assistente do departamento de Economia de Hobart e William SmithColleges, em Genebra. 



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